Estive numa palestra
onde as autoras se diziam decentes e éticas em relação ao seu trabalho (duas
delas eram jornalistas), que respeitavam as fontes, os testemunhos e que não
misturavam o ofício de escritora com o de jornalistas bla bla bla. Me senti péssima
naquele universo tão ético e perfeito. Eu que roubo como uma mendiga avarenta e
voraz as histórias de todo mundo, uso frases que ouço das pessoas,
transformo-as nas falas dos personagens, faço dos meus amigos personagens, me
senti o ó da coisa horrorosa. Eu que minto e nem sempre sou ética e que sou
capaz de tudo em troca das boas histórias, me senti a última das criaturas na
frente daquele panteão de gente legal e decente. Quem escreve mente, trapaceia,
brinca, engana, estende armadilhas, vai num churrasco e ouve uma conversa banal
e alguém fala Lia, e agradeço a interlocutora, porque a minha próxima
personagem vai se chamar Lilia, mas só decido ali, naquele momento em que
aparentemente escuto aquela desinteressante história de amor e separação, mas
estou com o pé, um pedaço da alma, lá, no outro mundo, de onde nunca saio
totalmente, no laboratório, desamparada, desolada, escrevendo, inventando. Sem
pensar se sou suficientemente boa ou certa ou decente, pois a literatura é
feita de uma matéria prima outra, e vem de um lugar onde a preocupação em
agradar ou ser legal não tem muita cabida.
(Lélia Almeida)
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