Inveja
da Maria Bethânia, por Lélia Almeida.
Minha amiga-irmã, Milena Weber, me
convidou para ir ao show da Maria Bethânia no Araújo Viana no domingo. A
aparição da Bethânia é algo indescritível, sua voz, sua presença de palco, sua
força. Eu queria ser a Maria Bethânia, provocar, como artista, este frisson nas
pessoas. Ela, como outros atores e cantores, a gente quer levar pra casa, ficar
amiga, ser aquela força. Nunca serei como ela. Escritores não aparecem e quando
aparecem só provocam a mais imediata reversão de expectativas.
Quando publiquei na internet um texto
chamado “Sexo Virtual”, que fez muito sucesso na época, fui convidada para
tomar um café com um diplomata em Brasília. A cara de desapontamento do sujeito
quando me viu entrar, uma senhora quase formal, atrapalhada entre um celular e
um guarda-chuva, foi de dar dó, quase voltei da porta do restaurante. Comemos
aipim frito e tomamos uma caipirinha e o encontro foi rápido quando ele viu que
não ia render nada mais, além disso. Muitos leitores fantasiam que tudo o que
escrevemos foi vivido e como adoro escrever piadas sobre sexo, já que o sexo
pra mim é ridículo e divertido, sem nobreza nenhuma, sou assediada
constantemente para contar sobre aventuras que jamais vivi ou por sugerir que sou
alguém muito porra louca, coisa que também não sou.
Ninguém entende esta gente que escreve,
nem nós mesmos entendemos, e talvez esta seja a graça da coisa toda. Também fui
convidada para um chá com mulheres que queria saber se eu tinha saído com um
japonês que foi personagem da minha crônica chamada “Turbilhão”. O japonês
nunca soube da minha existência, minha vida é tão normal como a de qualquer
feirante que acorda cedo e pega um ônibus pra ir trabalhar. O que eu tenho é
uma imaginação delirante que me ajuda a espremer da vida comum e corrente seu
sumo mais delicioso ou ácido, dependendo do dia.
Eu nunca gostei de conhecer os
escritores e escritoras que amo, sei que o texto é sempre muito superior ao que
somos. Mesmo assim provocamos este estranhamento. Cada vez que me hospedo num
hotel e coloco ESCRITORA como profissão o espanto das pessoas é imenso, e
sempre há um comentário surpreso e inevitável. Se escrevesse que era PUTA não
teria o mesmo efeito, ser escritora é muito mais estranho que ser puta, parece.
Tenho dado muitas palestras para
mulheres jovens nestes tempos em que o feminismo está na moda e não é menos
diferente o espanto das meninas quando me vem chegar. Depois que conversamos
muda um pouquinho, mas só um pouquinho. Mulheres que pensam e escrevem são
pessoas incompreendidas, fora do lugar, deslocadas e isto não muda. Nem se eu
usasse aquela saia de lamê dourado da Bethânia ia conseguir um efeito
contrário. Escritores são pessoas sem glamour, vivem muito sós e só pensam
bobagens, são obsessivos, fóbicos, instáveis, sensíveis na hora errada,
distraídos e choram de ranho quando encontram aquele livro que procuravam há
dez anos, como se tivessem encontrado um tesouro.
E levam anos, muitos anos para que o
trabalho apareça e que algumas pessoas se emocionem com o que conseguimos
escrever. O maior elogio da minha vida foi de uma mulher de comunidade, muito
pobre, no interior do Espírito Santo, que depois de uma palestra, me presenteou
com uma imagem da Virgem Maria e disse: - Que Deus sempre lhe abençoe, quando a
senhora fala as palavras entram dentro da gente, a senhora tem elegância
mental. Nunca entendi exatamente o que ela quis dizer, mas amei demais da conta.
Este foi o meu momento Maria Bethânia,
não me queixo, ninguém jamais disse isto pra ela, garanto que não.