Doralice,
meu amor, por Lélia Almeida.
Fui
a Caxias do Sul participar da Feira do Livro de Caxias e me hospedei na casa da
minha amiga de toda a vida, a Lolô Heloisa Mezzalira.
No
dia que cheguei a Caxias minha amiga viajou para Porto Alegre e deixou as
instruções para que eu cuidasse da Doralice, uma cocker de 14 anos, que não
deixasse de alimentá-la e que a levasse para fazer xixi, lembrando que ela é
velhinha, que precisa ser mimada, etc. etc.
Apaixonei-me
imediatamente pela Doralice.
Estava
tão preocupada com os cuidados com ela que sonhei que a Dora fazia xixi na
minha cama. Às 6:45 da manhã estava a postos para cumprir a minha missão. Ela
acordou às 7:15 e descemos os dois andares. Doralice desceu as escadas em
desabalada carreira e me arrastou, ignorando o meu tornozelo avariado e tive
dificuldades imensas em acompanha-la. Quando chegou à porta do edifício, antes
que eu pudesse abri-la, Dora relaxou e fez um xixi imenso no corredor. Abri a
porta e fizemos um passeio pela rua com direito a cocozão e mais xixi. Depois
de deixa-la em casa desci com balde e vassoura para limpar o corredor, me
sentindo uma incompetente na minha missão.
Voltei
pro sofá perto da cama da Doralice que dormia como uma anja. Os movimentos da
rua começavam na manhã fria da cidade. Fechei os olhos e ouvi a respiração da
Dora. Os barulhos da rua ficaram lá longe. Fiquei concentrada na respiração
dela e tudo ficou calmo novamente. Uma respiração tranquila e rouquinha que me
devolveu a paz que eu precisava depois de me sentir um fracasso cuidando de uma
cã idosa. Reconciliada com este e tantos outros fracassos fechei os olhos e
comecei a respirar no ritmo da Dora. Inspira-expira e uma paz luminosa invadiu
a sala e a minha vida. Ficamos velhas, eu e Dora. Não desço mais as escadas
velozmente, tenho de levar mais tempo para fazer determinadas coisas, sob pena
de fazer um xixi no lugar errado. Eu sou a Doralice. E fui tomada de uma
alegria mansa, sabendo que o meu tempo é outro agora, sem pressa e sem ter que
dar certo ou ser vitoriosa. Adormeci no ritmo da Doralice, aliviada, velha,
feliz e grata pelos ensinamentos da minha nova amiga.
2 comentários:
Que delicia de leitura. Uma canção de ninar pra meus olhos cansados e mente fervilhante.
Consegui ver a Dora descendo as escadas e te puxando com força, depois, o passeio, com o cocozão e enfim, a paz que a gente sente com um cachorro dormindo e ressonando ao lado...
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