quarta-feira, 25 de abril de 2007




Adorescência:

Quando meu filho começou a se alfabetizar, numa língua estrangeira e em outro país, a minha ansiedade extrapolou todos os limites. Os meus limites eram menores do que os dos outros pais que também, exageradamente, acompanhavam o processo aos sobressaltos. Um dia, numa reunião de pais para avaliarmos a quantas andavam os pequenos e suas iniciações no mundo das letras, a professora alfabetizadora, do alto de sua sabedoria decretou: apesar da ansiedade de vocês, estas crianças vão se alfabetizar! Fez-se um silêncio muito sintomático e que serviu como um balde de água fria sobre todos nós. As crianças se alfabetizaram, saíram vida afora, cidadãs leitoras e autoras, apesar dos nossos medos.
Projetamos em nossos filhos, da mesma maneira que nossos pais fizeram conosco, o medo dos nossos fracassos, as nossas frustrações, desilusões. E, no entanto, também como os nossos filhos, inúmeras vezes, nos saímos muito bem, obrigado.
Vivo outras ansiedades hoje, as ansiedades de ter um filho adolescente e de viver junto com ele a dura transição de deixar para trás as fraldas, as primeiras letras, os dentes de leites e entrar no mundo adulto que ora começa e não termina mais. E continuo sobressaltada. Sem saber como ser e o que fazer. Aquele menino que crescia ao pé da mãe descobriu que o mundo é um lugar deveras interessante e parte agora para além dos muros da infância.
Não gosto, no entanto, de algumas coisas que vejo acontecer ao meu redor. A paranóia dos pais, por exemplo. Aquela velha e conhecida ansiedade que nos leva a viver pela metade mais esta etapa, esta experiência, e que poderia ser vivida de forma muito mais gratificante e ser, assim, transformadora e inesquecível para todos nós.
Quando temos medo da adolescência dos nossos filhos é porque estamos reeditando todos os medos da nossa própria adolescência, do que foi vivido, do que foi deixado de viver, dos partos e da tarefa inadiável de amadurecer e começar a tomar a vida nas próprias mãos.
A minha adolescência foi difícil como a de qualquer adolescente: meus pais se separaram, saí de uma cidade do interior para uma cidade grande, eram tempos de uma importante transição política. Saí de casa, morei em repúblicas, mochilei e vivi tudo o que todos os adolescentes vivem: a alegria eletrizante das brigas por ser independente, a crença de que não há preços a pagar por nossas irresponsabilidades, os amigos, agora muito mais importantes que a família, e as dores destes conflitos todos. A escolha do que estudar, de sonhar ilimitadamente com tudo aquilo que quero ser e o que não quero ser quando crescer. O mundo é vasto e a vida, que é tão urgente, parece passar tão devagar. A vertigem dos primeiros amores, e dos trinta e cinco que se seguem, todos iguais, irrecusáveis e eternos. Um tempo de excessos e, ao mesmo tempo, de tantas limitações, se dá pra entender.
Não gosto do meu desajeitamento como mãe de adolescente, assim como não gostei do meu desajeitamento quando era adolescente.
Não gosto do estereótipo do aborrecente. Acho simplista e burro. As minhas maiores angústias e questionamentos existenciais se deram na minha adolescência, os melhores livros que li e filmes que vi, as minhas escolhas políticas, meus princípios éticos, estéticos, tudo o que sou como mulher adulta, a profissão que escolhi, começou lá, no meu momento mais genuíno de rebeldia e esperança, de desilusão e desesperança. Eu continuo sendo aquela jovem, continuo acreditando em muitas das coisas que descobri neste tempo vulcânico que vai dos doze, dos treze aos dezoito, vinte anos. Quando o corpo se expande como uma planta sólida, a alma voa e os desejos estalam. Sou ainda aquela jovem sonhadora que amava pai e mãe, e quanto mais longe melhor, mais amava.
Não gosto do jeito que eu e meus amigos olhamos para os nossos filhos adolescentes, parece que esquecemos de como éramos inteiros num território selvagem e num tempo precioso de experiências inadiáveis. Esquecemos de como éramos belos na nossa insegurança e nas nossas utopias.
Agora, como pais e mães, temos medo das drogas, da noite, do sexo, das más companhias, de tudo temos medo.
Olhamos para os nossos filhos e seus amigos – que são as mesmas e surpreendentes pessoas com quem convivemos há tantos anos – como drogados em potencial, prováveis promíscuos, possíveis irresponsáveis e jogamos pela janela tudo o que fomos e fizemos juntos até agora, com medo do escuro e do desconhecido.
Detesto esta demonização da adolescência. Este nosso medo que mina tudo e que nos faz esquecer que, apesar da ansiedade dos nossos pais, nos saímos razoavelmente bem, que alguns tropeçamos mais e pior do que outros, mas que sobrevivemos e tivemos filhos e que estamos ansiosos agora, movimentando um ciclo inexorável.
Pedros, Brunos, Elisas, Anandas, Yaundês, Marianas, Ricardos, os Lucas e os Gabriel, os Williams as Anas todas, Carolinas, Marílias, os Júlios e as Lauras, os Mateus, os Igor, os Fabrícios e as Brunas e os Felipes, os Rodrigos e Betos, enfim, todos vocês: desculpem a nossa ansiedade, é que o mundo tá brabo e nós temos medo. Desculpem o nosso esquecimento, das plantas desajeitadas e vigorosas que nós fomos um dia.
Olho pra vocês e me emociono, com os seus exageros e opiniões categóricas e definitivas, com um olho crítico único para as nossas caretices, com a sede e a fome e o medo que vocês têm. Vocês vão beber, fumar, transar, chorar, rir aos montes, experimentar a vida na veia, se decepcionar aos montes também, dançar, viajar e vão voltar pra casa e partir muitas vezes ensaiando o vôo definitivo para os seus próprios caminhos.
Adoro os jovens que vocês são, com seus ranços e mal-humor e risadas estridentes e seus aparelhos nos dentes e suas baterias desafinadas e seus irritantes celulares e msns. Adoro tudo. E torço, torço demais por vocês.
Aquela que um dia teve a idade que vocês têm hoje, dentro de mim, vela por todos vocês. E reza para que a travessia seja intensa como tem que ser. E às vezes leve também.

Um comentário:

Sergio Ernani Cohen disse...

Gostei muito do blog.
E inteligente e muito profundo!
Sua poesia eflete minha alma, e suas palavras, as estrelas com que sonho todos os dias!
Beijo