sábado, 15 de outubro de 2011

"Onde há poder, há resistência", Foucault.

sexta-feira, 14 de outubro de 2011

Na formatura das Mulheres da Paz de Viana, no Espírito Santo, uma mulher muito pequena chamada Divina é aplaudidíssma na hora de receber o diploma, eu digo a ela, nossa, como você é popular, e ela me disse, eu não sou popular, não, Madama, eu sou é barulhenta!
Nada menos que uma vida maravilhosa, Lélia Almeida. Um pássaro despedaçado no meio da sala é sinal do quê, chego a me perguntar. Não tenho tempo para pensar no pássaro e nem de removê-lo dali. Um pássaro pequeno. Os gatos vão dar cabo dele. Está despedaçado, com o abdomen escancarado. O alpiste misturado com as tripas lembra diminutas pepitas de ouro. Os antigos liam o destino das pessoas nas vísceras dos animais que eram sacrificados. Olho para o pássaro todo o dia quando chego em casa, ele cada dia mais seco e mais morto, as partes expostas. Não quero ler nada, nao quero saber nada, não me interessa o meu futuro. A palavra que me persegue nestes dias é maravilhamento. Ontem fui numa feira de roupas populares com a minha mãe e a atendente me olhou e disse, nossa, que olhos lindos! Eu entendi, ela também anda se maravilhando. A minha pele brilha desde que parei de pensar no futuro e passei a respirar profundamente e a sonhar as coisas que sonhava quando era uma menina contente. Penso em tudo o que me maravilha: as cigarras, a chuva, música antigas e bregas, homens de olhar safado, sexo, manhãzinha, entardecer, o barulho das crianças lá fora, os carros que não páram, um coração que pulsa nesta cidade impossível, bolo de chocolate, romãs, figos, jarra com água, a gata que ronrona ao lado do teclado. Milgares moleculares. Saí da loja com um vestido bordô e olhar de depravada.
Sinais, por Lélia Almeida. Os sinais foram muitos. Uma crise de ansiedade, pânico, e as carcaças das três caranguejeiras em diferentes lugares da casa quando começaram as chuvas. Secas, enormes, duras. Não serviam mais. E a da cobra, a pele imensa, abandonada no jardim. Foram os sinais, ela não era mais a mesma, ela não morava mais ali, ela tinha partido. Ela, a nova ela.
Farol, Lélia Almeida. A água rebenta contra as pedras. A maré enchendo, subindo. Um farol. Uma embracação que não se move. O farol que ilumina o hotel, ao longe. A mulher fuma olhando para o mar, um homem que também fuma, a observa. Só isto. Os dois são estrangeiros naquela cidade marítma. E não se falam. A lembrança do amante estrangeiro, longínqua, volta com força e vai embora, no ritmo do movimento da luz do farol, que ora ilumina a fachada do hotel e que depois submerge em sombras.

segunda-feira, 10 de outubro de 2011

Lélia Almeida e Ubiratan Carlos Gomes, sob o céu de Brasília, muitos dias entre os bonecos e os mestres, o espírito do duende de Lorca a nos transmutar todas as noites, cada vez que o Bira aparece na minha vida e vai embora eu tenho a estranha sensação de que o circo foi embora e esqueceu de mim...

domingo, 9 de outubro de 2011

Tive um sonho estranho, eu disse. Me conte, ele disse. Não lembro, só lembro das palavras. Treliça. E salamandra. (Lélia Almeida, in: Sublime, 2011)
Paredes brancas, pé direito alto, portas de vidro, a cama. Fazia tanto frio e incandescíamos. (Lélia Almeida, in: Sublime, 2011)
Mostrou as fotos da família, contou dos nomes, dos mortos e dos vivos, voltamos de mãos dadas pelo corredor. Ele disse, agora, eu e você. (Lélia Almeida, in: Sublime, 2011)
Ele toma banho, eu pinto os olhos, a cafeteira apita, o cheiro do café anuncia que a vida não pára. Os beijos matutinos são apressados. (Lélia Almeida, in: Sublime, 2011)
Um livro que amamos, Um teto todo seu, da dama inglesa. A noite é gelada, nos esfregamos para acender o fogo. Um teto todo seu, repetimos sob o edredon. (Lélia Almeida, in: Sublime, 2011)
O toque do despertador do celular era um galo cantando. Para lembrar de um mundo mais natural, ele me disse, encaixando as pernas dele entre as minhas. (Lélia Almeida, in: Sublime, 2011)
Não quero esquecer nada. Bolsa sobre o sofá, roupas no chão, jarra com água, chinelos grandes onde meus pés sobravam, a força do abraço dele, o meu sono leve. (Lélia Almeida, in: Sublime, 2011)
Na porta da casa depus as minhas armas, as poses e as posses, as certezas e os sapatos. E ele me conduziu nua e descalça para aquele lugar de onde não consigo voltar. (Lélia Almeida, in: Sublime, 2011)
Uma maçã, um ovo, pão e café. A mão dele arruma o meu cabelo, toca o meu rosto quente de sono. Bom dia, ele diz. Um banquete. (Lélia Almeida, in: Sublime, 2011)
Fecho os olhos e peço baixinho, fala comigo, por favor, como se orasse. Começa a chover. E o silêncio molhado é como uma bênção. (Lélia Almeida, in: Sublime, 2011)
Eu perguntei a ele, o que vai ser de mim, e ele disse, não é quando a gente quer, é quando a gente tá pronto, não é quando a gente precisa, mas quando a gente esqueceu. (Lélia Almeida, in: Sublime, 2011)
Ele perguntou, mas por que você chora, eu disse, pra drenar, pra deixar sair de mim a imensidão, estas estrelas, estes seixos, este mar. (Lélia Almeida, in: Sublime, 2011)
Ele me esperava na esquina enquanto eu descia do táxi. Fazia frio e chuviscava, ele fumava encolhido, tomava da minha mão e dizia, venha, vamos entrar. E eu ia sem medo. Ia segura e feliz, até o inferno, eu iria com ele. (Lélia Almeida, in: Sublime, 2011)
Trê noites e três manhãs. Como se faz a contabilidade do tempo do amor? O que pode caber na medida do tempo de três noite e três manhãs? O meu mundo despedaçado e a minha vida reinventada. (Lélia Almeida, in: Sublime, 2011)