sábado, 22 de outubro de 2011

Na penumbra do bar comemos amendoins, compulsivamente, como se nos devorássemos em pequenas porções.
(Lélia Almeida, Sublime, 2011)
Recorro a este inventário tolo dos pequenos objetos, dos gestos, da ordem dos diálogos, barba por fazer, pasta de amendoim no pão, travesseiro surrado. Para materializar, assim, o que foi sentido e que é impossível contar.
(Lélia Almeida, Sublime, 2011)
Ele beijou a minha mão no meio da conversa no bar. Estou perdida, pensei, estou segura, senti.
(Lélia Almeida, Sublime, 2011)
Meu pai indo embora. Meu pai indo embora numa variante azul, ele de óculos escuros, num domingo de verão. Meu pai indo embora, partindo numa estrada sem fim que carrego aqui dentro.
(Lélia Almeida, Anovaela, texto inédito)

sexta-feira, 21 de outubro de 2011

Atiro garrafas ao mar, aos ares, com recados e mensagens que não sei se você lê, e sei que é só isto que me cabe enquanto você permanecer soberano dentro de mim. (Lélia Almeida, Sublime, 2011)
Guiada pelas estrelas, sei de você. O amor é um ato de fé, ou não é amor. (Lélia Almeida, Sublime, 2011)
Tenho 49 anos, muitos de militância feminista, outros de namoradeira, alguns de escritora e leitora de outras escritoras, sou radical sem perder o bom humor e sem perder um encantamento quase incompreensível pelo sexo masculino de quem sou curiosa devota, assim que não vem me chamar de feminazi, putaqueopariu! Injustiça não!!!!!!
Querido, não insista, a nossa trilha sonora não combina!

quinta-feira, 20 de outubro de 2011

Oração pragmática: Deus nos livre de um segredo. Deus nos livre de uma espera e de um silêncio sem fim. Deus nos livre de uma promessa. Que Deus nos brinde, todos os dias, com a vida possível. Amém. (Lélia Almeida, Sublime, 2011)
Consegui, finalmente, abrir a mala, guardei as roupas, separei as sujas das limpas, sacudi a poeira dos sapatos, escancarei as janelas, não trouxe nenhum registro, nenhuma foto das nossas mãos dadas. Há um tempo para lembrar obssessivamente e há um benfazejo tempo para começar a esquecer. (Lélia Almeida, Sublime, 2011)

quarta-feira, 19 de outubro de 2011

Prestei atenção a cada gesto sabendo que não poderia esquecê-los, já que não os veria novamente: o jeito como ele ensaboava o peito com muita espuma, o vigor com que se secava para espantar o frio, e como calçou primeiro a bota esquerda e depois a direita, antes de vestir o casaco e partirmos daquela casa de onde não consigo voltar. (Lélia Almeida, Sublime, 2011)
Ele disse, também não sou bom de despedidas, como não sou bom nos velórios, quando tenho a certeza de que qualquer coisa dita naquela situação jamais expressa o que realmente gostaria de dizer e que nunca sei como fazê-lo. (Lélia Almeida, Sublime, 2011)
Dormimos abraçados como se os nossos corpos soubessem que seria um excesso qualquer celebração na hora da despedida. Éramos como irmãos que dormem abraçados porque está muito escuro e faz muito frio. Isto éramos, naquela noite, dois desconhecidos que nunca mais se encontrariam. (Lélia Almeida, Sublime, 2011)
Desci rápida do táxi, paguei o motorista, beijei-lhe o rosto, fechei a porta e rumei vacilante para a porta de vidro do hotel. E não queria entrar e não queria seguir. E queria estar com ele para sempre. (Lélia Almeida, Sublime, 2011)
O táxi andava veloz na manhã chuvosa e no trânsito emperrado, eu olhava a cidade pela janela e tocava a barba dele, num carinho distraído, queria dizer a frase que não saía e que só consegui dizer depois, ao telefone, desculpa, mas nunca fui muito boa com as despedidas. (Lélia Almeida, Sublime, 2011)
O bar sumiu, o barman sumiu com suas músicas sensuais, o efeito da aguardente de anis sumiu, ele disse, senta aqui do meu lado e eu disse, gosto dos homens do mesmo jeito que gostava dos meninos quando era pequena, com fascínio e pavor. Ele tocou o meu rosto, o meu cabelo molhado da chuva recente e disse, eu também sinto o mesmo. (Lélia Almeida, Sublime, 2011)
Ela me contou que lembra do tempo que teve de passar uma época em que os pais a colocaram num internato porque estavam muito sem dinhero e eles eram vários filhos. Só as meninas da família foram para o internato por um tempo provisório e ela sonhava que os irmãos comiam bifes na mesa das refeições onde elas não estavam. Ouvia os ratos durante a noite. E nunca mais conseguiu comer bifes depois que voltaram, pensava nos ratos. (Lélia Almeida, Anovaela, texto inédito)
Cortei com a tesoura do jardim o colchão de casal onde ele dormia e coloquei uma metade no closet. Tenho dormido lá, ouvindo os gatos arranharem a porta qurendo entrar. Não abro a porta. A morte é sozinha. (Lélia Almeida, Anovaela, texto inédito)

terça-feira, 18 de outubro de 2011

Fui dormir com o coração apertado sentindo que perdi você. Sonhei com couve-flores gigantes que flutuavam numa piscina onde eu procurava por alguma coisa que não sabia o que era. (Lélia Almeida, in: Sublime, 2011)
Simpatia para dormir bem Este ritual é indicado para quem sofre de insônia e com pesadelos. Também proporciona uma noite de sono revigorante, fazendo as pessoas acordarem bem dispostas. Você vai precisar de um saquinho de musselina e de um pouco de camomila e alecrim em quantidades iguais. Coloque as duas ervas dentro do saquinho, enquanto visualiza a si próprio caminhando na manhã seguinte e sentindo-se muito bem. Em seguida, repita três vezes o seguinte encantamento, enquanto continua a visualizar seu desejo se realzando: "Esta noite eu lanço um feitiço para impedir pesadelos onde eu deixar uma pitada de camomila, um punhadinho de alecrim também, para que na manhã do dia seguinte eu acorde me sentindo muito bem!" Feche o saquinho de modo que ele não se abra e inspire o aroma fresco das ervas. Deixe o saquinho perto da cama e inspire seu aroma toda noite, antes de dormir. Renove as ervas e o feitiço a cada três meses.

segunda-feira, 17 de outubro de 2011

Ela me disse num fio de voz. Eu não tive pernas para fazer algumas coisas que gostaria muito de ter feito. Ter tido outro filho, por exemplo, ter casado outra vez. E agora, o tempo passou. Meu pai e meu marido partiram, e isto foi devastador para mim. Só agora entendo que me sinto como uma sobrevivente todos estes anos, e simplesmente sobreviver não é um bom jeito de andar pela vida. Fechei o tarô. Abracei-a profundamente. Estava abraçando a mim mesma, banhada pelas suas lágrimas que eram tão doces. (In: Anovaela, texto inédito de Lélia Almeida).

domingo, 16 de outubro de 2011

Um sonho: estou no Haiti, houve um terremoto e estou no meio dos escombros, está tudo destruído ao meu redor, e seguro entre as mãos, numa espécie de berço de papel laminado, uma boneca que parece encapsulada, com roupas de astronauta, a boneca brilha com uma energia clara, e então vejo que talvez não seja uma boneca, mas sim uma criança, uma menina muito pequena.
Briga no beco: Encontrei meu marido às três horas da tarde com uma loura oxidada. Tomavam guaraná e riam, os desavergonhados. Ataquei-os por trás com mão e palavras que nunca suspeitei conhecer. Voaram três dentes e gritei, esmurrei-os e gritei, gritei meu urro, a torrente de imprompérios. Ajuntou gente, escureceu o sol, a poeira adensou como cortina. Ele me pegava nos braços, nas pernas, na cintura, sem me reter, peixe-piranha, bicho pior, fêmea-ofendida, uivava. Gritei, gritei, gritei, até a cratera exaurir-se. Quando não pude mais fiquei rígida, as mãos na garganta dele, nós dois petrificados, eu sem tocar o chão. Quando abri os olhos, as mulheres abriam alas, me tocando, me pedindo graças. Desde então faço milagres.
A serenata, de Adélia Prado. Uma noite de lua pálida e gerânios ele viria com boca e mãos incríveis tocar flauta no jardim. Estou no começo do meu desespero E só vejo dois caminhos: ou viro doida ou santa. Eu que rejeito e exprobo o que não for natural como sangue e veias descubro que estou chorando todo dia, os cabelos entristecidos a pele assaltada de indecisão. Quando ele vier, porque é certo que vem, de que modo vou chegar ao balcão sem juventude? A lua, os gerânios e ele serão os mesmos - só a mulher entre as coisas envelhece. De que modo vou abrir a janela, se não for doida? Como a fecharei se não for santa?
Só há uma maneira de cortar com velhos padrões de comportamento que não queremos mais. Cortando!