sábado, 21 de novembro de 2009

A MISÉRIA ELEGANTE DE NINA BERBEROVA

Lélia Almeida.

Nina Berberova foi lançada no Brasil em 1988 com "A Acompanhadora", em 1989 com "O Lacaio e a Meretriz" e, recentemente, em 1991, o que ela mesma considera o seu melhor texto, "O Mal Negro".
O universo onde Nina Berberova transita é um universo feminino, do olhar sobre a vida das mulheres, seus objetos, trajetórias e principalmente seu cotidiano de miséria. Mesmo em "O Mal Negro" onde o protagonista é Evgueni, o texto abre contando a história de um par de brincos e a trajetória de pobreza e penúria muito típica do habitual bem-sucedido mundo dos homens. Evgueni é como Sonetchka ("A Acompanhadora") e como Tania ("O Lacaio e a Meretriz"), pobres e sós. Encontram-se naquele mundo onde as perdas dos tostões e dos afetos se misturam de tal e irreversível maneira que a única realidade a ser vivida é a miséria, a miséria da carne, do estômago, da alma ou como queira se chamar este compartimento que como um samovar nos aquece ou gela de forma irreversível. O clima é sempre este, uma pobreza e uma solidão sem saída.
A história do dinheiro e das mulheres, ou melhor dito, a história do dinheiro das mulheres é das mais trágicas e desconexas. O dinheiro das mulheres não é moeda corrente, não se dá por trocas legítimas, a moeda é outra, a troca é sempre feita por caminhos tortuosos e por trás destes descaminhos parece mesmo tilintar uma pergunta simples e determinante: Quanto vale uma mulher? As personagens de Berberova não casam, no sentido literal do termo, o que já dificulta de saída o meio historicamente mais tradicional de subsistência feminina: os sagrados laços do matrimônio através dos quais as mulheres sobrevivem também com uma moeda que não lhes pertence. A relação das mulheres com o dinheiro é nova e complicada. Traz consigo a história do trabalho feminino, sua posição secundária, desvalorizada e, de uma maneira absolutamente cruel, ou este trabalho é mal pago ou quando é remunerado, mesmo pouco, não lhe pertence. Há as necessidades da casa: um marido deve ser bem tratado, principalmente bem alimentado, e mesmo sendo ele o provedor-mor do lar e da família, há sempre os filhos, famintos, vorazes, crescendo. Por último, as sobras, quando sobram, são das mulheres. Mas raramente sobram. A história da miséria das mulheres ainda não foi contada, não é assunto fácil de ser tocado. Passa pela pergunta do quanto vale uma mulher? e a resposta é tão pobre, tão miserável quanto a sua condição: vale através de um dote paterno para a administração marital, vale pela prostituição, vale por um trabalho que não tem fim nem limite físico e que jamais teve ou garantias ou justiça quanto a sua remuneração. As mulheres não valem nada e a moeda que circula entre elas é escassa, fugidia. É neste universo de onde escreve Berberova. Sabemos, no entanto, que algo valem as mulheres sim, estas que sempre administraram um labor e uma economia que não consta do livro-caixa da história, que sempre trocaram, trabalharam e souberam prover, sustentar, num valor não mensurável e através de peripécias domésticas e trocas inusitadas que fazem parte da margem da história da economia. Isto nós sabemos, nós que tivemos mães, avós, tias, de onde sempre aconteceram verdadeiros passes de mágica na hora em que o dinheiro, o vestido, a comida não existiam. Nós sabemos, as que hoje trabalhamos dentro e fora dos lares, que ganhamos sempre abaixo e que fazemos das tripas coração para fazer o dinheiro valer dinheiro, sabemos o quanto vale uma mulher. Berberova situa suas figuras no limite onde esta pergunta não tem saída. Pobreza e solidão. Cada tostão a menos conta a história do desafeto, da perda, da impossibilidade absoluta do gesto, da aproximação. Miséria e solidão. A elegância desta senhora russa para tratar de temas tão pouco elegantes é magistral: mulheres, desamor, miséria, inveja, solidão. A crueldade entre as mulheres, a inveja, o não possuir e não ser, a absoluta falta de saída. Os textos de Berberova são como a pedra doente de um dos brincos do par de brincos penhorado, os brincos da mulher amada e morta. Falam de muitas outras coisas também: emigrantes russos, exilados, perdidos, miseráveis, sem ter onde morar, o que comer. Uma revolução lançou-os ao mundo, lançou-os no interior de um país perdido no mapa dos seus nomes, passaportes, trânsitos permanentes. Há histórias que se repetem, sem dúvidas. A literatura nunca foi novidade, Berberova conta velharias, velhas histórias que não cansam de se repetir. O mundo dos que vivem à margem, e na margem está a miséria, na margem se está só.


In: ALMEIDA, Lélia. 50ml de Cabochard. Santa Cruz do Sul: EDUNISC, 1996.

terça-feira, 17 de novembro de 2009

"É melhor ser alegre que ser triste
Alegria é a melhor coisa que existe
É assim como a luz no coração
Mas pra fazer um samba um samba com beleza
É preciso um bocado de tristeza
Senão não se faz um samba, não.

Samba da Benção - Vinícius de Moraes