quarta-feira, 11 de maio de 2011



A mãe de mim:

Lélia Almeida.

Começou na sexta-feira o chorinho do bebê. O choro de um bebê tão pequeno que o meu primeiro impulso foi o de sair no meio da noite e procurá-lo na rua, lembrando das histórias das mães desesperadas que abandonam seus filhos no lixo na calada da noite. Fui tomada por uma angústia atroz ao ouvir aquele chorinho frágil e intermitente. Chamei o meu filho para que ouvisse o choro comigo na janela, pronta para descer e procurar no lixo o corpo de um bebê que eu imaginava ser uma menina muito pequena. Meu filho não ouviu nada. Sentou ao meu lado na cama, segurou a minha mão e disse que o choro devia vir de algum apartamento vizinho. Ficou comigo até que eu adormecesse. Voltei a ouvir o choro do bebê por mais algumas noites mas não me atrevi a buscá-lo na rua escura no meio da noite. O choro este que vem de dentro de mim. Um choro represado de quem nunca soube como era sentir, numa casa onde sentir era um luxo. E não gostar um luxo maior ainda. Quando foi que ela desistiu de mim, eu me pergunto, e como é que se desiste de uma filha. Eu já sei de algumas respostas e elas são isto e nada mais, respostas prováveis. O desassossego do meu coração não entende as explicações. Uma herança maldita esta, que eu tento reverter, reiventar, quase sempre sem conseguir. A noite é quieta. Sei que a menina voltará a chorar muitas vezes. Tenho que aprender a cuidá-la, tenho de poder acalmá-la, aninhá-la entre os meus braços e meus peitos envelhecidos. Sentir seu corpo pequeno convulsionado pelo choro e seus incômodos. Minha voz será forte e serena para que eu possa consolá-la com firmeza. E ela adormecerá nos meus braços, entregue, uma menina que sou eu, agora que eu sou ela e sou a mãe de mim.