terça-feira, 6 de janeiro de 2009

Eso es una matanza:

Lélia Almeida.

Em Matador, de Pedro Almodóvar, de 1986, há uma cena em que o próprio Almodóvar, como ator e personagem, numa prova de figurino para a cena de um filme diz para a mãe da modelo que está histérica: señora, eso no es um desfile, eso es uma matanza.
No dialeto familiar da minha casa, adotamos a expressão. Que serve para muitas situações. Como por exemplo, não adianta querer enfeitar, a situação é muito pior do que parece, ou, não há regras de cordialidade aqui, isto é uma matança. Algumas outras também.
Nada mais óbvio e concreto que uma matança. Nada mais concreto e irreversível do que a morte.
Perdi seis pessoas dos meus afetos nos últimos três meses. Minha vida, de repente, se encheu de morte. Eram todas de diferentes idades e as causas foram também por diferentes motivos. Cheguei a sentir uma certa naturalidade na ida ao cemitério, ao velório, ao enterro, até o dia que não consegui mais levantar da cama de tanto pavor e pânico. Tinha travado completamente. Alguma coisa devastadora tinha se instalado dentro de mim, uma certeza, jamais sentida antes, de que posso morrer a qualquer momento. Saber disso é uma coisa, entender, cabalmente, é outra.
Quatro homens e duas mulheres. Os homens, que em geral são mais onipotentes, se cuidam menos, arriscam mais, subestimam o real estágio de uma doença. As mulheres duram mais, qualquer estatística nos conta sobre isso. Vão mais ao médico e sabem, quase todas, talvez por seus próprios destinos de cuidadoras, que é preciso ser cuidadoso e que sempre, a qualquer momento, coisas terríveis podem acontecer. E que, portanto, é prudente se proteger, prevenir.
Não sei se esta é uma boa maneira de começar um ano novo, pensando na morte. Mas rezei muito e não bebi durante as festas de fim de ano. Percebi que alguma coisa profunda afetou a minha esperança quando os fogos começaram a explodir, que o meu entusiasmo não era o mesmo. Uma saudade impossível de contar, de ainda não compreender o mundo sem alguns sorrisos imprescindíveis, algumas risadas únicas, como se eu ainda estivesse me perguntando onde foram parar estas pessoas que estavam aqui, agora mesmo, e como elas puderam sumir tão de repente? E como vou continuar a viver sem elas?
Estou ficando velha. É isso e é simples.
Não pedi nada na noite de Natal, nem na do Ano Novo. Mas agradeci tanto, tanto, celebrei a chegada de mais um gato filhote na minha casa, a minha sobrinha de três anos que me trouxe bombons, a minha mãe que viu a novela de mãos dadas comigo, agradeci tanto as coisas quentes e simples como estas. E sei que, daqui pra frente, serei mais delicada nos rituais, mais vagarosa na hora de abrir a janela de manhã cedo e ver o sol, de dormir aconchegada ouvindo a chuva no telhado, dizer sempre, derretida eu te amo, e celebrar as alegrias, que contra a certeza da morte, só mesmo a celebração das alegrias.
Amém.