sábado, 27 de março de 2010

(...) Que ancestral fala por mim? Não posso viver ao mesmo tem na minha cabeça e no meu corpo. Por isso não posso ser uma única pessoa. Posso sentir várias coisas ao mesmo tempo. O mal do nosso tempo é que não há mais grandes mestres. O caminho do nosso coração é coberto de sombra. Precisamos ouvir as vozes que nos parecem inúteis. Precisamos que os cérebros se ocupem do muro da escola, d asfalto, da assistência social, do zumbir dos insetos. Precisamos encher as orelhas e os olhos de todos nós com coisas que sejam o começo de um grande sonho. Alguém deve gritar que construiremos as pirâmides. Não importa se não construirmos. Precisamos alimentar o desejo e esticar os cantos da alma como um lençol sem fim. Se querem que o mundo vá adiante devemos nos dar as mãos. Precisamos mesclar os ditos saudáveis com os ditos doentes. Vocês, sãos! O que significa a sua saúde? Os olhos da humanidade miram o abismo no qual todos estamos mergulhando. A liberdade é inútil se você não tem coragem de olhar em nossos olhos, de comer e beber e dormir conosco! São os ditos sãos que levaram o mundo ä beira da catástrofe. Homens, escutem! Em vocês, água, fogo e depois cinzas. E os ossos nas cinzas! Os ossos e as cinzas! Aonde estou quando não estou na realidade ou na minha imaginação? Eis um novo pacto que o mundo: deve haver sol à noite e nevar em agosto. Grandes coisas acabam, só as pequenas permanecem. A sociedade deve ser unida e não fragmentada. Basta observar a natureza para ver que a vida é simples. Precisamos voltar ao ponto de partida, ao ponto onde tomamos o caminho errado. Precisamos voltar ao fundamento da vida sem sujar a água. Que tipo de mundo é este se um louco que lhes diz que devem envergonhar-se? Música agora. (...) Ó mãe! Ó mãe! O ar é aquela coisa leve que se move em torno da cabeça e se torna mais claro quando você ri.

In: Nostalghia de Andrei Tarkovsky.

quarta-feira, 24 de março de 2010

O voto das mulheres: luvas de pelica e nenhuma cosmética.

Lélia Almeida.

Fato inegável é que as mulheres foram figuras de protagonismo na imprensa do país desta semana. Las Damas de Blanco, ou las locas de La Habana, Reyna Luisa Tamayo e Laura Pollán, de Cuba, chamaram o Presidente Lula e o Comandante Fidel às falas, clamando por justiça pela morte dos seus filhos. As Mães de Luziânia estarão, amanhã, em audiência pública no Senado, trazidas pelos pelo Senador Cristóvão Buarque, para indagar sobre o desaparecimento dos seus meninos. E as pesquisas apontam que o maior índice de reprovação do governo Lula vem das mulheres e que o maior índice de rejeição à candidata Dilma, é feminino também.
Algumas explicações seriam apontadas pelo observatório de Gênero do governo para explicar o fenômeno: a associação, cultural e histórica, da figura feminina ao âmbito privado e doméstico e, portanto, a interpretação óbvia de que as mulheres não podem ocupar cargos públicos e de poder. Nada mais classe média do que esta explicação. Há, historicamente, uma multidão de mulheres, cujas linhagens e gerações, sempre trabalharam fora de casa e jamais souberam o que era ficar em casa cuidando dos filhos e dependendo de um marido provedor.
A questão é que os marqueteiros de plantão se perguntam pela fórmula mágica, pela composição da beberagem que deverão ministrar à candidata Dilma, que qual uma passiva Galatéia de Pigmalião, deverá se travestir em personagem infalível para conquistar esta exigente fatia de votos, enquanto repetem sem respostas o bordão freudiano: afinal, o que querem as mulheres? E o que querem as mulheres brasileiras? O vão querer as mulheres brasileiras na hora de votar?
A maioria das mulheres brasileiras é pobre, vive em condições desumanas e não lhes são permitidos grandes sonhos nem delírios. Elas querem poder trabalhar, cuidar dos seus filhos e sobreviver com dignidade. Não é muito o que elas querem e, portanto, não há como enganá-las. Não há cosmética que as convença.
Gosto do de lembrar o filme do espanhol Pedro Almodóvar, Tudo sobre minha mãe, dos anos 90, quando a personagem Amparo, que é um travesti, fala sobre ser autêntica, mostrando tudo o que nela é postiço e dizendo que a medida da nossa autenticidade é o quanto realizamos daquilo que sonhamos ser.
Penso que o mistério do voto das mulheres, um assunto tratado por alguns, com luvas de pelica, talvez possa ser desvendado de maneira fácil. Eu, que sou uma cidadã comum e que ouço as mulheres brasileiras há muitos anos, diria aos magos de plantão, que não há receitas miraculosas. E diria à Ministra Dilma que a fórmula para conquistar o voto das mulheres brasileiras, é simples: Seja você mesma, Ministra Dilma. Não sucumba aos aventais xadrezinhos, aos ares de vovozinha e nem às falsas pérolas. Nada disso combina com a senhora. As mulheres deste país não são burras, sabem o que querem e sabem que a medida da autenticidade é a única que vale, lá, no frigir dos ovos.
Represente apenas a si mesma, Ministra Dilma.
E represente, assim, as mulheres brasileiras, que são bravas e não desistem nunca.
E tenha a certeza de que, então, elas saberão escolher em quem votar.