quinta-feira, 28 de outubro de 2010

A Teoria da IFG:

Lélia Almeida.


Sentei entre duas moças num vôo entre o Rio de Janeiro e Brasília. Exausta me acomodei para dormir e finalmente descansar depois de dois dias de trabalho intenso. Depois que as instruções de vôo foram dadas uma delas, uma moça linda de uns 25 anos me disse:
- A senhora viu que TODOS os homens deste avião têm uma aliança numa das mãos.
- Não, não vi.
- A senhora não olha mais pra isso?
- Não querida, na minha idade a gente só olha pro pé deles.
- Pro pé? Por causa do tamanho, por conta daquele cálculo entre uma coisa e a outra?
- Nãooooo, querida! Na minha idade a gente olha pra qualidade do sapato pra ver o tanto que a criatura é pobre, o tanto que dá pra encarar...
- Olha que interessante, nunca pensei nisso, disse a outra moça.
- Mas eu lhe digo uma coisa, voltou a primeira, viajo toda a semana e é uma tristeza viu, cada homem lindo e aquele alianção ali no dedo ó, como uma coleira diminuta, uma tristeza viu, um desperdício.
Decidi que não ia dormir, me interessei pela conversa e perguntei se ela tinha alguma explicação.
- Explicação não, senhora, eu tenho isso e mais do que isso. Eu tenho uma teoria.
- Sério?
- A necessidade da manutenção da sagrada família, por um lado.
- Sim...
- Teve um que teve a cara de pau de me dizer, mas querida, aquilo lá não é um casamento, é uma família!
- Argh!
- kkkkkk!
- E por outro lado é a questão da IFG.
- Um índice novo? Este eu nunca ouvi falar.
- Fui eu que inventei, é a sigla da minha teoria, a teoria da Ilusão da Foda Garantida.
A outra moça começou a rir e resolvemos as três pedir uma cerveja para a aeromoça.
- Os caras casam porque eles não podem viver sem a metidinha, e casados eles não tem que ir a luta, batalhar a caça na dureza da vida e dos sábados solitários, enfim, casar é mais prático, ta ali, ta na mão, uma metidinha pobre e morna, mas garantida. Na maioria das vezes eles nem gostam mais da patroa, mas estão ali, comparecendo, tudo em nome da IFG.
Eu tinha certeza de que o avião inteiro estava nos ouvindo, não me importei e dei corda para aquela pitonisa de 25 anos, tão jovem e desalentada, socializando sua sabedoria comigo, com a amiga e o avião dos deuses de alianção. Deste tamanho, o alianção, ó, ela repetia.
Um índice novo na praça, meninas, e eu nem suspeitava!
Híbrido:


Lélia Almeida.


Qualquer mulher da minha geração viveu experiências parecidas, negue quem quiser. E pela nossa idade, já vivemos de tudo um pouco. Bons e maus casamentos, namoros desastrosos, terriveis enganos e amores maravilhosos e inesquecíveis. Tivemos filhos e algumas de nós já somos avós. Daí a nossa responsabilidade com as gerações vindouras, a das mulheres mais jovens. A minha geração, na verdade, se esbaldou entre o pós-revolução sexual, anti-concepção aqui incluída e o pré-aids, e mentem aquelas que negarem que a farra foi grossa.
Claro que estou falando de coisas quase esquecidas pela contemporaneidade. Nestes tempos em que se fode muito pouco e se fala muito sobre isso, e quando falar muito sobre o assunto se constitui no maior sintoma de que a coisa ta braba, ta rala, ta escassa, geral. Portanto, é correto dizer que qualquer mulher da minha idade já teve no seu repertório, pelo menos,entre outros, um argentino gay travestido de macho, um padre indeciso e um homem-que-está-se-divorciando.
O mundo anda, o tempo passa, mas tem coisas que não mudam.
Meninas, atenção: um-homem-que-está-se-divorciando é uma entidade que não existe. Ou o homem é divorciado, está sozinho e disponível para você, ou ele é casado. Um homem-que-está-se-divorciando é uma espécie de híbrido e quase nunca, ouçam bem, quase nunca vale a pena. Então só resta uma possibilidade, a de que vocês sejam espertas e partam para a esbórnia cientes de que os híbridos não se reproduzem. O que equivale a dizer que a criatura em questão não vai decidir jamais o seu impasse, é você quem vai decidir a parada.
A grande diferença entre as mulheres da minha geração e a das minhas jovens leitoras que me pedem conselhos é o tamanho e a consistência da paciência. Da santa paciência! Vocês saberão se vale a pena este esforço hercúleo, esta empreitada ingrata, mas não se esqueçam: um homem-que-está-se-divorciando é uma categoria facinha de desvendar, é um híbrido, um mulo, o que pode significar, em simples e bom português, que o troço não vai render.
Pensem bem meninas, e depois não digam que eu não avisei.