sexta-feira, 19 de julho de 2013
O Amante Alemão, de Lélia Almeida:
O romance “O Amante Alemão” foi escrito
em Brasília durante todo o mês de dezembro de 2006 e a sua montagem durou até
junho de 2007. Durante muitos anos esteve em algumas editoras com uma promessa
de publicação que nunca se realizou.
No
ano de 2011 o Instituto Estadual do Livro do Rio Grande do Sul, o IEL, lançou
um edital para vários gêneros literários e o romance foi classificado na
categoria de narrativa longa, sendo agora publicado na Coleção Originais que
cumpre uma das mais importantes missões do Instituto Estadual do Livro:
incentivar qualidade de nossos autores, revelando talentos, trazendo à luz a
primeira obra de escritores, além de publicar nomes já reconhecidos e com uma
carreira consolidada.
As obras foram escolhidas pelo conselho
editorial do instituto após abertura de edital para seleção. O projeto é em
coedição com a Companhia Rio-Grandense de Artes Gráficas (Corag) e tem o apoio
da editora Modelo de Nuvem.
O trabalho de pesquisa sobre um dado
histórico da cidade de Santaluz (que é Santa Cruz do Sul) – o da existência de
uma epidemia de suicídios por enforcamento por trabalhadores rurais, causada
pelo efeito dos agrotóxicos nas plantações do tabaco – serviram de pano de
fundo social para a criação da intriga. Num outro plano simultâneo temos uma
história de amor muito improvável que se desenvolve através de um triângulo
nada convencional.
A articulação destas histórias é uma
espécie de tributo a muitas histórias das narradoras latino-americanas a quem
me filio, já que muitas delas optam por uma visão de mundo em que os nossos
afetos mais profundos reverberam em escolhas, condutas e atitudes que são
sempre políticas.
Além do pano de fundo social, local, a
reflexão sobre as mulheres é soberana – já que esta é a minha escolha como
escritora: a que questiona sobre a maneira como a nossa sociedade cria uma
cultura de amor romântico para a vida das mulheres, um amor que supõe sempre o
cuidado com outro, para o outro, em nome da negação negligente do cuidado mais
importante para a vida de todos e das mulheres, em especial, que é o
autocuidado e, portanto, o amor próprio. O tom folhetinesco se justifica pela
própria necessidade da desconstrução destes mandatos que assumimos como nossos
por toda uma vida, e para lembrar que sem o desmonte destas ilusões, que pode
se dar através do humor, não seremos capazes de nos expressar profundamente em
nossa autenticidade e nossas dúvidas mais verdadeiras.
Estão
garantidos nesta história rocambolesca, como na própria vida, os temperos que
valem a existência: riso, choro, humor, melodrama, farsas, algumas mentiras e
muita sinceridade.
Trecho do romance O Amante Alemão: (…) Duzília Flores viveu na cidade o tempo
suficiente para poder testemunhar a morte destas velhas senhoras, que para ela
eram mulheres sólidas, e tempo suficiente para ver suas casas serem destruídas
e crescerem vorazes, no lugar delas, em vastos terrenos, edifícios imensos, de
gosto e construção duvidosa. E assistir à morte de cada uma delas, que mais
pareciam ter desistido de viver num mundo tão diferente daquele que elas haviam
criado.
Morreram muito velhas, e Duzília Flores
quando lembrava delas, quando via suas casas serem arrancadas daqueles
terrenos, pensava em velhos e nobres carvalhos sendo extraídos de seu habitat
natural para serem consumidos impiedosamente em fogos de pouca utilidade e
nobreza. Este foi um dos signos de que a transformação era inevitável – para o
bem e para o mal – a cidade mudava de donos, passava para a mão de outros donos
e perdia valores importantes.
Tudo isto Duzília Flores pôde assistir,
viveu ali tempo suficiente para ver como era a arquitetura daquela pequena
cidade, que mais parecia uma cidade europeia cravada no meio de dois grandes
vales, transformar-se numa cidade cheia de edifícios de mau gosto e com todos
os problemas de uma cidade pequena com muito dinheiro estrangeiro, que são
problemas com violência, corrupção e drogas. A cidade era uma das economias
mais importantes do país na exportação do fumo, enormes complexos industriais
se estendiam na entrada da cidade dando a dimensão poderosa daquela indústria
que dava o sustento aos seus habitantes há muitos anos.
Assim, de um lado da praça, estava o
pequeno entreposto de produtos naturais da ONG em que Duzília Flores iria
trabalhar como assessora de imprensa. Do outro lado da praça, estava o ateliê
da elegante Herta Lotti, a estilista que dividia com a Dona Moissi, há trinta
anos, a fama de bom gosto e eficiência nas lides da costura para grandes
festas, formalizando o sonho daquelas belas mulheres. E longe, longe dos olhos
dessas mulheres estava a máquina que movia as vidas, os sonhos e as dores dos
trabalhadores da cidade, a Companhia Tabacalera.
A mesma Companhia Tabacalera, para quem,
do outro lado do mundo, Johan Hermann, entregava o sangue e a alma todos os
dias da sua vida, com um orgulho quase militar, na verdade, devocionário, desde
que era um menino de apenas dezoito anos de idade.
Dos
editores:
(…) Romance de fôlego, O amante alemão, de Lélia Almeida, consegue a proeza de
ser uma narrativa costurada rigorosamente com intimidades, portanto constituída
da psicologia mais profunda de seus protagonistas, e, ao mesmo tempo, um
romance de costumes, isto é, uma ficção panorâmica na qual a vida de uma cidade
vem à tona. Como em raros romances. (…) Lélia acerta a mão, as duas, uma vez
que a obra é arquitetada numa composição de natureza simultânea. Numa cidade de
colonização alemã e de economia fumageira, o cenário emocional que se apresenta
é tenso e costurado com paixões mais caladas que gritadas. No entanto, elas
gritam, como a tal economia, envenenadora, levando trabalhadores dessa
atividade a suicídios nunca devidamente esclarecidos em suas razões. (…)
Ambicioso e engenhoso, O amante alemão prova que Lélia Almeida, atingida a
maturidade estética, revela-se capaz de escrever um romance que vai além do
romance propriamente dito. Temos mais de um livro neste livro, numa só camada
(e é mais de uma) seduzindo quem lê por nos provocar a febre do afeto que não
se encerra (antes se expande, mesmo encerrado) e a compreensão da realidade e
de seu funcionamento.
Por
Romar Beling, na apresentação do romance: Das tantas leituras que se possa
realizar de obras da literatura brasileira contemporânea, muito poucas
certamente souberam empreender tamanho mergulho num universo social e cultural,
com estranhamento e com inquietude, como o protagoniza este romance de Lélia
Almeida. Desde as primeiras páginas, fica nítido o olhar despido de qualquer
inocência espraiado sobre a cidade imaginária do Sul do Brasil na qual a
história está ambientada. O narrador é impiedoso na caracterização individual e
coletiva, e o choque cultural imediatamente remete ao sentimento de cisão em
relação a valores. Há uma considerável carga de emoções em jogo, emoções que, a
exemplo do paradoxo do sentimento intenso, transitam do amor ao ódio, da
atração à repulsa, da esperança à desesperança. (…) Este romance que o leitor
agora tem em mãos, é bom que se avise, veio para inquietar, para instigar, para
causar estranhamento. Poderia ser, nunca devemos ignorá-lo, uma das funções da
arte (se a ela se devesse atribuir alguma outra função que não apenas a de nos
proporcionar enlevo). Afinal, o que seria da humanidade se, de tempos em
tempos, um artista (…) não soubesse dizer algo que ultrapasse uma certa mesmice
morna, que, de tal sorte, não aquece nem mentes, nem corações. Eis um livro
para ser lido e prontamente relido. Relido, já nos revelará novos prismas de
seus personagens, do mundo a que alude, numa inquietude salutar. Logo adiante,
terá reservado seu espaço, com simplicidade e com autoridade, como uma obra de
ruptura, em todo e qualquer manual que aponte para leituras indispensáveis.
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