domingo, 18 de setembro de 2011


Depois do banquete, por Lélia Almeida.

Depois do banquete sentimo-nos assim, fartas, ainda juntando as migalhas que jazem sobre a toalha manchada de vinho, quando a carne soberba, satisfeita, só pensa em descansar. É a hora em que pensamos sem a sabedoria da mendicância. Sem a clarividência de quando estamos ali, na singeleza dos nossos impulsos mais verdadeiros e dos nossos desejos mais secretos. É quando pensamos sem a inteligência da fome: “não ia dar certo mesmo, ele mora tão longe, vou continuar com a minha vida e esquecer” e nos sentimos a salvo outra vez na nossa vida comum. A suntuosidade da experiência, a intensidade do brilho, a surpresa da travessia até o outro, tudo ali agora, sendo triturado nas dobras do intestino e banalizado numa digestão difícil e necessária. Levantamos da mesa contentes e pesadas no final do banquete, esquecidas da leveza do impulso que nos arremessou para o céu que era o outro e aterrissamos outra vez na vida pequena. Apago as luzes da sala, do corredor, é a hora do recolhimento, quando internalizamos finalmente o que foi vivido. Fecho os olhos e abraço o travesseiro. Posso ouvir o corpo outra vez, ele que não se ilude com os banquetes e sabe da pertinácia da fome. E soluço sem respostas perguntando como vou fazer para continuar agora que sei quem sou naquele abraço.