sábado, 30 de janeiro de 2010

D’O Livro dos Sonhos:


Lélia Almeida.


Outro sonho. Caminho atrás das minhas ex-amigas que vão muito contentes e conversando por um caminho que desconheço, não somos mais amigas, e mesmo assim não consigo deixar de amá-las. Elas me conduzem, não conversamos. Meu filho também está junto, como sempre esteve enquanto eu estava com elas. Chegamos a um topo, uma espécie de sopé, numa paisagem magnífica e verdejante. Há uma trilha exuberante que é uma espécie de uma fenda numa montanha, um grande deslizamento, me ocorre, agora que escrevo. Um lugar onde a terra se abriu e elas me olham e esperam que eu decida. Eu devo descer por este lugar até lá embaixo. O medo que eu sinto é inenarrável. É de noite. A terapeuta preside os trabalhos, me orienta. Eu sei que não tenho alternativas. Eu tenho de descer. Começo a descida deitada com os braços cruzados sobre o corpo, como uma morta. Mas tudo é suave neste caminho que parece assustador. A trilha é estreita e a terra está molhada. Há uma profusão de avencas misturada com gravetos e seixos. Sinto escorpiões e aranhas imensas que grudam no meu corpo que está envolto numa espécie de gaze branca, e quando chego ao final do caminho posso retirar com facilidade aqueles bichos que estavam sobre mim. Depois estamos numa casa de madeira, e o Uli, o gato preto que ficou na Casa da Colina, no Ouro Vermelho, me acompanha todo o tempo. Sei que é ele porque vejo a cicatriz na pata e porque ele ronrona do mesmo jeito que antes. É uma espécie de anfitrião, de companheiro de caminho, e eu sei que ele zela pela minha alma. Têm os olhos cansados, ele está velho, mas enérgico. A casa é de madeira e parece uma casa de banhos e de cura para alemães que estão doentes de amor. Quase todos estão velhos e sei que eles estão doentes de amor. Sei pela quantidade de cartas que levam e trazem. E que fazem circular entre eles. A Casa da Colina foi a minha casa de cura. A casa do meu luto e da minha cura, e por isso eu não conseguia sair de lá.



In: O Livro dos Sonhos, 2010 (Fragmentos inéditos).

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