sexta-feira, 14 de junho de 2013


Casamento arranjado, por Lélia Almeida.


O fisioterapeuta aplica a moxa, a Artemísia no meu tornozelo e pergunta como foi que aconteceu tamanho estrago, não tenho como contar tudo e digo a ele que foi um daqueles momentos difíceis da vida e ele me chama de gatinha e diz que tem coisas que são inexplicáveis e que a vida é muito misteriosa. Conta de uma paciente dele cujo namorado sumiu, na frente dela, no meio do Rio Negro, sumiu, do nada, sucuri, ele diz, tinha 24 anos o rapaz. Contou a história pra me consolar, pra dizer que coisas piores sempre podem acontecer. Gatinha. A palavra que me atira no buraco negro do rio. E estou lá, na casa da infância, num quarto escuro, meu pai, o médico, faz aplicações de raios ultravioletas por conta dos meus problemas respiratórios. Minha mãe está no mesmo quarto ao meu lado e segura a minha mão e eu choro. Não sei se por conta do desconforto da aplicação, se pela febre. Ele também me chama de gatinha, o meu pai. E ela, pra me acalmar vai imaginando o dia do meu aniversário de quinze anos. Que vou estar linda, num vestido amarelo, ela descreve o vestido que sonha pra mim, descreve o baile e que vou dançar com o meu irmão gêmeo, que vai estar de smoking, muito elegante, e que vamos dançar a valsa juntos. O buraco. Não sei se choro por conta do procedimento ou pelo pavor de ficar condenada a este casamento arranjado, um irmão que certamente também não quer dançar comigo, nem na festa nem jamais. E minha mãe vai descrevendo o baile, o vestido, a valsa. Naquele ano, quando fiz quinze anos, meus pais se separaram e a tal festa de aniversário nunca aconteceu. E por isso eu agradeço todos os dias. O buraco, a valsa interrompida, as fantasias da minha mãe que não se cumpriram e que desde cedo me ensinavam que a gente só tem validade neste mundo nos braços de outrem, todos os dias eu agradeço o meu pé torto, os meus tropeços, indo pra bem longe dos casamentos mal arranjados, rio afora, redemoinho.

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