Chame
sempre a sua, mãe, por Lélia Almeida.
Fui estudar em Mendoza quando o Pedro,
meu filho, tinha sete anos. Ele se alfabetizou lá. Com tantos afazeres entre os
estudos de doutorado e cuidar dele e da casa sozinha, não percebi como ele
aprendeu o idioma. Um dia o vi na calçada da rua sentado com dois amigos
trocando figurinha do álbum de futebol daquela Copa que a França ganhou do
Brasil. Eles batiam as figurinhas e diziam: “esta tengo, esta no tengo, tengo,
no tengo”, numa velocidade absurda. Putz, eu pensei, o cara ta falando espanhol
e eu nem sei quem ensinou pra ele.
Não foi fácil pra ele ficar longe do
Brasil, que significava ficar longe da avó que ele tanto amava, do pai, dos
tios, dos amigos. Mas o maior medo dele era se perder na cidade e não me achar.
Um dia ele me perguntou: “E se eu me “perdo”, vou virar um menino de rua?” Eu
disse que não, que ele não ia se perder, e que ele sempre podia pedir pra alguém
me procurar e que ele sabia o meu telefone e o nosso endereço e que sempre ia
dar certo.
Na nossa última semana em Mendoza,
depois de dois anos, ele se perdeu dentro do supermercado. Ouvi o alto falante
dizendo, “El señor Pedro Domingues busca por su mamá, está en la puerta de
número 3”. Voei até o lugar onde ele estava e o meu pequeno veio correndo com a
cara mais feliz do mundo, me abraçou e disse: “- Deu certo, mãe! Deu certo!”
Numa outra ocasião ele desapareceu dois
dias em Brasília, bem mais velho já, perdido numa tormenta erótica com uma
sirigaita. Não atendia o telefone e não dava notícias. Depois de chorar que nem
uma bezerra desmamada e me arrancar os cabelos, respirei fundo, fiz OM por
muitos minutos e pensei, se este guri é louco, eu sou mais louca do que ele, e
há mais tempo! Não vou me mixar pra ele. Fui pro Facebook e postei um aviso na
página dele dizendo que quem soubesse do paradeiro dele avisasse que tinha
morrido uma pessoa da família e que ele entrasse em contato. Ele ligou em cinco
minutos e eu disse que se ele não voltasse já pra casa que o morto ia ser ele.
Sempre chame a sua mãe. Sempre da certo
quando a gente chama pela mãe, ela ta sempre por perto. Mesmo quando elas não
estão mais por aqui, quando a gente chama por elas, elas comparecem. Às vezes
disfarçadas de amigas e amigos que nos amam e nos conhecem como ninguém, às
vezes como desconhecidos que nos dizem a frase certa na hora em que mais
precisamos, e que nos salvam, e às vezes é aquela voz interior que fala dentro
de nós e que é a voz dela guardada pela convivência de toda uma vida. O
importante é a confiança que temos nesta voz e no olhar amoroso que só estes
amigos têm de verdade por nós.
Hoje encontrei o meu vizinho, o Augusto
Bier, no boteco da esquina comprando um picolé, este Bier que eu adoro e
admiro. E ele me disse com aquela voz de acalanto dos amigos que nos embalam:
-“Vai passar. Sempre passa!”
E voltei pra casa nutrida e certa que
sim, que vai passar.
Um comentário:
Parabéns pela sensibilidade ...linda crônica Lelia!
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