sexta-feira, 14 de março de 2008

Pauline querida:
O mundo não tem mais graça. De grande que era se tornou pequeno, as distâncias todas acessíveis, todo mundo pode falar muitos idiomas e ir a todos os lugares e há McDonald´s, para alívio do Pedro, espalhados pelo mundo. Conheço um monte de pessoas super viajadas, viajar já não é mais viajar, se me entendes. Quando eu era pequena e morava em Sant’Ana do Livramento, de tempos em tempos vinha pela cidade uma japonesa que parecia uma boneca de porcelana oriental. Vendia pérolas do Japão. Não sei se tem pérolas no Japão, mas o que eu sei é que ela vendia pérolas do Japão. Vestia sempre um tubinho preto, usava uma estola de tecido bordada com finíssimo fio de seda oriental e tirava de dentro um estojo de veludo verde, e era ver o contraste da claridade da pérola no fundo escuro. Um sonho, um luxo. Minha mãe comprou uma vez um colar de uma volta só e outra ocasião um par de brincos que eu cobicei uma vida inteira e que agora nem imagino onde estejam. A questão é que aquela mulherzinha minúscula que falava uma mescla de muitos idiomas para se comunicar, vinha do outro lado do mundo, com uma mercadoria valiosíssima, autêntica, a inquietar o coração e o bolso daquelas pacatíssimas mulheres fronteiriças. E era um luxo, se reunia uma mulherada enorme, as amigas, faziam o ritual do chá, cada uma trazia a torta ou o quitute mais delicioso e se extasiavam com as pérolas japonesas, lindas, se enfeitavam como verdadeiras rainhas. Cada vez que a japonesa anunciava a sua chegada eu tinha a sensação, que só posso descrever hoje, de estar na frente de um personagem cinematográfico, uma mulherzinha pequena e redonda, enrolada em peles, coberta de pérolas: !era de cine, chica, te lo cuento, era de cine! E assim era com o chá chinês, uma colcha indiana, um xale russo, põe tudo isso num baú (restaurado, é claro) e vê que bagagem, quanta história. Me lembro agora de muitos vendedores ambulantes na minha vida de compradora, que vendiam o produto como peça exclusiva, em atenção especial e que eu comprava ávida, às vezes muito mais encantada com a história da peça do que com a peça propriamente dita. Mas agora não tem mais graça, o que vem do Japão é vulgar e falso e massivo, vem fácil, é feito aos milhares para nós, os supremos babacas ocidentais devorarmos e depois descartarmos, as pérolas são falsas, o chá chinês é inglês e se compra no supermercado da esquina, o que é chinês não tem requinte e o que vem da Índia não é indiano, que as mulheres indianas jamais usariam aquelas roupas, tecem-nas para nós, para a nossa ilusão de feminilidade, muito diferente da delas. E eu, não encontrei com um amigo em Londres? Não pode ser, me sinto desencantada, traída, viciada num circuito pequeno, aeroportos, McDonald’s, Shoppings, o mundo não tem mais graça. Eu gosto é dos cantos, dos recantos, do reduto mais longínquo, lá onde não é chique ir, estar, aparecer, como se fosse possível escrever um guia turístico para os sonhadores, um guia com a casa dos escritores, por exemplo, nada de catedrais romanas e seus caríssimos souvenirs, mas a casa em que a Virginia Woolf morreu em Londres, a do Fernando Pessoa. Ontem descobri aqui em Mendoza uma ruazinha sem asfalto e com poucas casas, muito da sem graça, se chamava Calle Alfonsina Storni. Me comovi, naquele fim de mundo, ela a Alfonsina, a Alfonsina e o mar. Não quero mais ir a Paris, Londres, quero o fim do mundo, o cu do mundo, por assim dizer, e me emocionar com o que é mais comum e corriqueiro nas cidades pequenas do mundo, ônibus velhos, como são os argentinos, senhoras gordas e suadas que carregam os filhos muito limpos e domingueiros nas ancas, namorados apaixonados que só se vêem nos sábados à tarde, gente vagabunda e preguiçosa que nem eu, passeando pela cidade. Nada demais, só esta sensação de que o mundo se vulgarizou, perdeu a graça. É tão fácil ir a Paris. E não aproveitar, e voltar dizendo que os franceses são fedorentos e que chove em Londres e que os ravioles italianos são bárbaros. Eu, por mim, interiorana da pior espécie, gosto destes recantos pequenos, onde acontecem as histórias mais tórridas, sim senhora, o Manoel sabia, disso sim, e, aqui eles dizem, “pueblo Chico, infierno grande”, lugares pequenos, onde todo mundo se mete na vida de todo mundo. Para depois chegar em Buenos Aires, sentar num café depois da excursão pelas livrarias da calle Corrientes, pedir um café e se sentir a criatura mais cosmopolita do mundo, naquela cidade que faz a gente estar no mundo e se sentir em casa, como se isso fosse possível, e em Buenos Aires, isso é possível. Acho que não fui morar lá só para poder sentir isso cada vez que vou lá. Porque se eu morasse lá, é claro que eu ia começar a reclamar do metrô, do barulho da cidade, etc. E agora tem o Pedro Domingues, que em plena 9 de Julio, de mochila nas costas, me olhou muito surpreso e disse, “legal esta cidade, hein mãe, até parece Nova York!” E assim eu ando, minha adorada amiga, uma alma dilacerada, sempre com saudades de algum lugar, devem ser aqueles dois peixes ligados um ao outro, vai um para cada lado, e viva-se com tanto antagonismo. Um caminho que vem, um caminho que vai, que é que eu vou fazer, sou pisciana nascida e o jeito é se acostumar. Portanto, e como não podia deixar de ser, saudades, e o meu amor.

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