segunda-feira, 13 de dezembro de 2010





SEXO VIRTUAL

Lélia Almeida.


Escrevi um romance que se chama Anêmona Bristol e que conta a história de uma blogueira tão ruim, mas tão ruim que a personagem termina, por este motivo, ganhando grande popularidade. Anêmona Bristol é o pseudônimo de Ítala Açucena, uma escritora fracassada que se pergunta por que as mulheres têm tanta dificuldade de escrever humor e erotismo.
Para a construção da personagem criei em algumas redes sociais, durante muitos meses, o perfil de Anêmona Bristol, que é uma espécie de piriguete retardada, gostosa e popozuda, e assim pude teclar com marmanjos de todo o país, noites inteiras e conheci um universo peculiar. Peculiar e familiar, se me faço entender. Porque o que tem na rede é o que tem na vida real, na mesa do bar, do boteco, do trabalho, de qualquer lugar onde as pessoas habitam e convivem. E mesmo tendo lido muitos especialistas sobre namoros e encontros na internet, não sou capaz de teorizar sobre o tema. A minha pergunta, a mesma de Ítala Açucena, é simples: por que as mulheres não escrevem humor e não falam sobre sexo.
Descobri algumas coisas que todo mundo que navega sabe. Você passa a ser chamada, imediatamente, por nomes super originais como gata, princesa, linda e querida, o que por si só já é uma retardadice. Estou falando dos homens, mas quero dizer que também conversei com muitas mulheres e a idiotice é a mesma, com seus queridos, gatinhos, meu príncipe, gotoso, etc. A cordialidade no diálogo dura segundos, o tempo da criatura perguntar de onde vc está tc, você aprende a escrever naum, te kero, humm, nesta outra língua que as pessoas da minha idade precisam aprender e que qualquer pessoa de 30 anos domina à perfeição, intercaladas com carinhas com sorriso pra cima, pra baixo, corações vermelhos latejantes de muito mau gosto, vídeos de beijos de língua completamente artificiais, fodas horrorosas e vídeos do youtube com músicas como Have You Ever Really Loved A Woman?, do Bryan Adams, Titanic (LIVE), da Celine Dion, Leviana, do Reginaldo Rossi ou Toda Mulher, do Wando. A cordialidade dura segundos, você diz de onde está teclando, o outro também, ele vai dizer que a sua cidade é linda e que tem muita vontade de conhecer, pergunta se você é casada, ele quase sempre diz que está casado, mas que conta com a imponderabilidade do destino e que por isto está ali babando no seu perfil. Alguns ainda se arvoram a certo grau de sofisticação espiritual dizendo que sentem a sua energia e especulam sobre o quanto é mágico identificar-se com uma pessoa sem conhecê-la, afinal, nada é por acaso, apelando para expedientes relativos à sincronicidade junguiana ou para o repertório astrológico.
Passados os breves segundos da cordialidade vai-se, então, diretamente para a putaria deslavada onde você lê pérolas originalíssimas como toma rola, toma pica, me dá a tua bundinha, te chupo toda, e o procedimento é meio padrão. Há um padrão, do tempo do término da cordialidade até o começo do embate e, imediatamente, o senhor pergunta pelas suas mais secretas fantasias e, sem sequer ler o que você possa ter escrito, declara que deseja, sem mais delongas, o seu rabo. Porque a única e maior transgressão sexual do macharedo brasileiro, de qualquer idade, do Oiapoque ao Chuí, é comer um cu. Pensem o que quiserem, eu não interpreto nada, eu sou uma escritora, eu só ouço e escrevo. Indo para o âmbito internacional, os portugueses clamam por comer-te a gatas (de quatro) e querem traçar a tua rata. E foi neste momento que tive de alinhar o vocabulário, com alguns, porque, além das diferenças regionais, mesmo transcontinentais, havia outras de ordem diversa que me broxavam e impediam de continuar a conversa com homens adultos que falavam do seu pintinho e com mulheres velhas que falavam da sua coisinha.
Alicia Steimberg, uma das escritoras mais geniais da atualidade, argentina, escreveu uma verdadeira obra-prima chamada Amatista, que ganhou um importante prêmio de literatura erótica, La sonrisa vertical, e que, lamentavelmente, nunca foi traduzido ao português.
Steimberg, em Amatista, cria um diálogo entre uma psicanalista e um paciente que faz com que gente leia o livro, de cabo a rabo, sem respirar, uma perfeição. Também é dela uma reflexão sobre literatura erótica onde ela diz que os argentinos não têm o menor problema de dizer que são muito liberais e que trepam muito e com quem lhes apetece, mas que são incapazes de dizer, com o mesmo desprendimento e orgulho, que são grandes punheteiros. Para ela escrever literatura erótica e ter um público leitor interessado significaria mais ou menos isso, uma grande masturbação coletiva. Difícil é fazê-lo com a perfeição que ela alcança. Porque se pensarmos no ato em si, há uma mecânica simples que obedece e movimentos de entra e sai, levanta e sobe, e não há como transformar esta dinâmica simples em algo interessante ou excitante.
Consta que a população brasileira, dos quase 300.000 verbetes do Houaiss, faz uso de uma média de apenas 4.000 deles, e eu garanto a vocês que no quesito putaria-na-rede o vocabulário deve estar restrito a muito menos de 50 palavras, já que a prática me permitiu contabilizar também esta precariedade quantitativa. Eu e Anêmona Bristol buscávamos poses, posições, e, principalmente, vocabulário, entendendo que há maravilhas na língua portuguesa, palavras mimosas e sugestivas como côncavo, baba-de-moça, vara, pomba, rombudo, badalo, rola, ferro, estojo, urna, cava, cona, bainha, vagem, berbigão, castanha, carlotinha, crica, dedo-sem-unha, dente-de-alho, espia-caminho, hastezinha, pevide, pito, pinguelo, sambico, mitra, três ou três-vinténs, cabaça, monte-de-vênus, larga, aguada, apertada, arrombada, bela, perseguida, bochechuda, cabeluda, crespa, pentelhuda, preta, suada, boca-do-mato, brecha, caixinha de segredos, canoinha, cova, devora cobra, lanho, cofre, ninho-de-rola, rego, escrínio, aranha, bacalhau, barata, bichana, lacraia, mosca, passarinha, perereca, pomba, rola, ursa, touceira, cebola-quente, barbiana, romã, rosinha, xexeca, xoxota, breba, buça, búzio, ferrolho, ganso, rodela, bronha, mastruço, gruta, porongo, estrovenga, bagos, bimba, pimbinha, bilola, bilunga, bastão, fole, bífida, entre outras.
Em se tratando do vocabulário erótico na rede podemos concluir que nada é surpreendente ou instigante e o que temos é de uma pobreza atroz.
Importante esclarecer que o que me interessava era a narrativa da coisa, o palavreado mesmo, e que, portanto, o embate durava o tempo exato que as criaturas suportavam o meu espichado cu doce, sem webcam porque com ela, as palavras, que era o que eu buscava, desapareciam imediatamente.
Fiquei, nas primeiras semanas, estarrecida com a naturalidade que os bofes perguntavam, vc que ver o meu pau? Nossa! Como os homens amam os seus membros, isso é realmente digno de nota e estudo, não conheço nenhuma mulher que tenha tamanha obsessão e genuíno afeto por suas partes íntimas.
E aprendi outras coisas importantes que vou levar para a vida e que como sou generosa vou dividir com você, leitor. Na rede, como na vida, há sempre um que ama mais que o outro, um que se dedica mais, que se esforça mais. Reconheço que no meu exercício literário, onde o espírito da puta se mesclava ao da antropóloga-assistente social em campo, propiciei momentos maravilhosos para algumas criaturas, com a riqueza de detalhes que requer a descrição de um bom fellatio ou de uma eficiente cunilíngua, e a criatura gozava com um simples kasdhjoiwqfksfiowyhwndkshoaidiwhdlwqn! Dá licença, é muita preguiça né! Na vida real deve ser daqueles preguiçosos que deixa uma mulher com LER (Lesão por Esforço Repetitivo) em determinadas situações onde se requer empenho e constância. O sexo na rede é uma debiloidice, eu garanto, assim como na vida real, onde quase sempre também é complicado.
E sobre a minha busca posso dizer que foi um flagrante desastre, uma decepção. Larguei a rede e voltei aos clássicos literários, porque o erotismo não tem a ver com a coisa em si, mas com o contexto e este segredo, sabido por muitos, é facilmente esquecido, tanto na vida, como na rede e na literatura. O que nos excita não é o que se mostra, mas o que se esconde.
A pergunta sobre por que as mulheres não escrevem humor e erotismo continua, para mim, sem uma resposta satisfatória. A revolução sexual, que liberou as mulheres para a farra com anticoncepção, não destravou, devidamente, as suas línguas e isso é sintomático. Raras exceções merecem ser mencionadas, relembrando aqui alguns poucos nomes que me são caros como as imbatíveis Hilda Hilst e Márcia Denser, a própria Steimberg, as históricas Anaïs Nin e Collete e duas senhoras brasileiras, sucesso absoluto de público de sua época, a quem Anêmona Bristol homenageia, Adelaide Carraro e Cassandra Rios, dignas de séria e urgente revisitação.
Despeço-me contando sobre um fenômeno que lanço como desafio e charada para os entendidos de sexo na rede. Depois de despachar alguns marmanjos inconvenientes recebi vários vídeos do youtube com trechos do Pequeno Príncipe que reclamavam, através daquela raposa imbecil, que eu era responsável pelo que tinha cativado, eram os mesmos destemidos comedores de rabo, rejeitados e ressentidos, transformados em queixosas misses, choramingando pela foda perdida. Só me ocorre pensar que uma queixa deste tipo anuncie o fim da civilização, o fim do mundo mesmo, uma tristeza sem precedentes na história das relações, tema que entrego de bandeja para os estudiosos da crise da masculinidade de plantão e das feministas doutoras em gênero, porque eu agora vou cuidar de terminar o meu romance, Anêmona Bristol, que será mais um na fila de outros que não consigo publicar em lugar nenhum deste país.

23 comentários:

Cristina Porcaro disse...

Lélia ou Anêmona Bristol, acabo de ler e rir muito com suas incursões pelas baboseiras dos bate papos, geralmente noturnos, daqueles carentes seres que procuram a alma gêmea. Diga-se de passagem que encontrar uma alma gêmea deve ser um tédio total. Tentei umas poucas vezes essas salas de bate papo, mas tudo aquilo que você descreveu é tão aquilo mesmo, que não perdi meu tempo. Sou viúva e ao me identificar como tal, a quantidade de marmanjos que se candidatavam ao posto de tirar-me da tristeza/melancolia/carência sexual era tão grande que nem que eu vivesse até aos 100 anos daria prá ser comida por todos. Ótimo seu texto, vou ler seu livro que espero, não fique parado nas livrarias. E, a propósito, sou escritora de um livro só e ele é de contos eróticos ou semi eróticos como brinco. Parabéns. Abraços.

Anônimo disse...

Arrasou, amiga!
A situação é tragicômica... Se o problema fosse só no campo virtual, seria até fácil de resolver. Mas, na real também não parece meio ultrapassado? E a pergunta roda: o que os homens querem?
Bjim de parabéns!

VERA disse...

Lélia querida, fostes muito dura, mas , porém verdadeira nas tuas colocações. Mas volto a te dizer q às vezes eles pulam para fora da telinha e desacomodam seus traseiros das poltronas confortáveis e mostram que são mais ou menos aquilo que mostram nas salas de bate papo.
Anemolaa, trate de mandar este livro pra terrinha, pois não vejo a hora de colocar os olhos nele. Quem sabe me acho ali pelo meio? beijos amiga de longas farras pelo face afora!!!!!!!!!!E nolha q indiquei teu blog para todos os meus amigos e as respostas já começaram a serem debatidas. Respostas recordes em menos tempo que a tua solteirisse.bjs mil Vera

vera disse...

Não sei pq saiu no nome do Alcir, mas sou eu amiga a Vera

Cuervolist disse...

Olá Lélia,
realmente você "atacou" a fragilidade
machista de forma totalmente aniquiladora.As descrições dos papos e palavras utilizadas,além da dinâmica e passos dados por eles, são
reveladoras do estilo cowboy e vulgar.Saudações Pedagógicas,
Jose Cuervolist

wagner disse...

Freud tinha razão! os homens não conseguem se libertar do complexo de edipo e acabam se tornando ridículos, dignos de escárnio e zombaria. Seria comico se não fosse tragico. Parabéns pela critica inteligente e pelo senso de humor!

Anônimo disse...

Olá Lélia... boa noite.
Recebi teu texto "sexo virtual" por e-mail... achei-o muito profundo e
realista... um texto necessário.
Peço então, sua permissão para
postar no meu blog um link
direcionando para o teu blog...
aguardo aprovação.
Abraços
mings

asdasd disse...

Acho que é o primeiro spam não-spam que recebo. Diante de críticas muitos fingem se adaptar, sejam homens, religiões etc.
O ideal seria que eles continuassem com sua "argumentação" infantil e a gente pudesse continuar descartando-os sem o menor esforço de raciocínio.
Já tentei me tornar esses "idiotas" cheios de testosterona do texto, talvez eu consiga um dia, afinal parece necessário para excitar a maioria das mulheres. Elas não tem identidade - além do instinto.
Não se acham mujeres de palavra por aí, assim tão fácil.

Olinda disse...

considerando-me, obviamente, uma excepção atrevo-me a saber responder. a dificuldade, Lélia, reside na capacidade de pensar - em geral - e, por isso, de expressar pela escrita o humor e o erotismo em particular. pensar em determinado assunto implica desmontá-lo (e na verdade as mulheres estão apenas habituadas a serem montadas) e penetrá-lo - não com força mas com leveza profunda (e também aqui as mulheres são leiguinhas da silva tal e qual o Lula). não, não estou a querer dizer que pensar está dentro das águas masculinas; não estou a querer dizer que pensar está interdito às mulheres: não. estou apenas a afirmar, cheiinha de convicção, que mulher que é mulher sabe montar e desmontar e penetrar. mulher que é mulher sabe, bem fundo, pensar no negro e no branco do que é viver. não é assim o humor? e o que mais é o erotismo senão o humor dos sentidos?

o que eu vejo, sempre que páro para olhar, que é ao segundo, são mulheres que privilegiam o húmus - e não o humor. e o que é o sexo sem sentido senão sexo que não é sentido? e como é que o mundo avança sem humor e sem sentir? podes dizer-me, Leila, como é que gentes assim se podem vir?

ouso terminar dizendo que também pensar requer amor - pensar e amorar são verbos que não rimam com pudor: apenas com humor. :-)

Suely Mesquita disse...

É, Lélia, parece que vc conseguiu uma coisa mais difícil do que um bom texto nos chats: conseguiu que as pessoas te agradecessem por mandar spam! HAHAHUAHUAUHAUHAUAHUAHUAHAUHA!

beijos,
Suely

Francisco Coimbra disse...

Também venho agradecer a recepção deste texto, o qual usei para escrever "DNA" no Diário de Letras II; por certo, uma outra forma de comentar, entrar num jogo onde nunca entrei (chats, até o nome...). Parabéns!

L.S. Alves disse...

Em último caso lança em PDF que muita gente irá ler. Eu pelo menos garanto a minha parte.
Um abraço e boa sorte.

Anônimo disse...

desse jeito isso vira um roteiro de televisão.

giulianoquase

Anônimo disse...

Olá, gostaria muito de ter um contato amplo com você. Enviei-lhe um e-amil...Parabéns!

Anônimo disse...

Lélia, achei fabuloso. Sabe o que me consola (bota o consolo ai nas tuas listas de palavreado erótico)? Que tem homens fora desse universo virtual bocó e monocromático... (embora ainda não saiba se valem algo mais por isso). No fim, parece - e dá medo -de que todos só reagem a mesma e exclusiva necessidade de por porra pra fora.

Homero Gomes disse...

Também quero dar os meus parabéns, Leila. Sensacional sua vontade de saber sobre um assunto tão tabu e verbalizado sempre de modo banal. Falar sujo é bom, entretanto, principalmente ao pé do ouvido. Abraço do Homero.

Hugo César disse...

querida, vc escreveu de sexo com humor. E me fez lembrar de sempre duvidar de quem cita pequeno príncipe... tudo q é mais eterno do que o tanto que é feito pra durar é perigoso. Até uma ereção, que é o máximo que se pode esperar de algumas pessoas. Já imaginou aguentar a eternidade "ouvindo" essas pequenas pérolas do fiasco humano que é o homem?

Flá Perez (BláBlá) disse...

gostei tanto que estou compartilhando no facebook e twuitter.
bjbjbj

Anônimo disse...

Vi você no FB da Flá.
Essa questão do texto erótico feminino é longa e rendosa, Anais Nin reclamava que qdo fazíamos textos eróticos reproduzíamos o modo de fazer dos homens, acho que ainda fazemos assim, mas seguimos tentando encontrar um caminho mais feminino de contar nossas estórias de prazer.

Ri muito com seu relato sobre as aventuras de Anêmona Bristol...só esse nome já é um achado.


Abraços...

Unknown disse...

Caramba, é real é real. As mina falam assim/perguntam: Quantos anos tem?, se diz que tem 50, ela fala logo, adoro homens maduros, experientes rsrsrs. Pode crer. Boa pesquisa essa.

Liana d´Abreu disse...

Lélia!! Parabéns....és uma excelente escritora, gostei demais da maneira como descreve cruamente as coisas, tem um certo humor trágico que me divertiu muito em certos trechos. Vou acompanhar de perto teu blog,adorei! bjs

Ricardo Migliorini disse...
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