sábado, 8 de janeiro de 2011

Túnel:


Lélia Almeida.

Meu filho no msn. Mãe, encontrei com ele hoje, depois de todos estes anos. Eu sempre imaginei este encontro, mas foi horrível. Olhei bem nos olhos dele e ele não me reconheceu, não reconheceu ou fez que não viu, porque baixou os olhos. Eu encarei ele mas ele desviou o olhar. Não reconheceu, eu disse, você era um menino e agora você é um homem. Foi horrível ele repetia. Vi o túnel outra vez se estendendo dentro de mim, um túnel que mantenho soterrado e sem luz e que por vezes vislumbro e depois esqueço. É assim mesmo, eu disse, o amor é reconhecimento, quando ele acaba as pessoas não se reconhecem mais. Mas mãe, ele insistiu, como é possível, foram anos de convivência diária. Eu sabia do que ele falava. Dos anos de uma parte da infância dele, de todas as refeições compartilhadas, das viagens, dos natais, dos aniversários, das lutas e das cócegas quando ele era um menino, das férias, das conversas infindáveis, dos livros, das músicas, das risadas. Eu não entendo, não adianta, ele não me viu. Como é possível? Não tente entender, eu disse a ele, nem Shakespeare conseguiu explicar porque as pessoas deixam de se amar. Rimos os dois, magoados com Shakespeare. O túnel respira dentro de mim. O túnel que sempre me leva a ele. Estou de mãos dadas com a minha mãe, é domingo e é verão, meu pai vai embora numa Variant azul, com os óculos de lentes verdes, parte para uma vida onde não vamos mais ter lugar. Naquele dia minha mãe também deve ter sentido o túnel arfar dentro dela, o pai partindo também, no dia em que a mãe morreu. Caminho rápida pelas quadras de Brasília, a lua cheia num céu esplendoroso, vejo a minha sombra projetada na calçada enquanto suo a angústia e a raiva. Olho para o contorno do meu corpo e repito para mim mesma, eu vejo você, eu reconheço você. E penso no meu filho e na sua tristeza por ter perdido este homem que ensinou tanto a ele, que segurou a sua mão quando ele era um menino. Eu reconheço voce, eu queria dizer ao meu filho. E também queria dizer a ele que o túnel deve ter um fim, em algum lugar. Nunca me detive a pensar sobre isto, se um túnel tem fim, só fico assombrada com esta engenharia da repetição. Mas em algum lugar que eu ainda não conheço, o túnel deve acabar.

3 comentários:

Fé na Estrada - Noslen Rodrigues disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Fé na Estrada - Noslen Rodrigues disse...

O vácuo que se forma entre pessoas de mesma família... A proximidade expontânea e a distância absurda, inaceitáveis ou ao menos incompreensíveis entre congêneres, não fosse uma análise mais profunda dos protagonistas. Não tem jeito, é assim mesmo. Bem vinda ao clube.

Noesis disse...

Shakespeare magoa. Mas os teus textos não.