segunda-feira, 24 de outubro de 2011

(...) Era um boteco, um bolicho, como eles dizem, destes de fronteira. A parrilla, as brasas que já estavam apagando e pouca gente num movimento de que o bar ia fechar logo. Entrei para comprar cigarro, tomar vinho sempre me dá vontade de fumar, você sabe. Tava uma neblina horrorosa, tive de limpar o vidro da porta com a manga do casaco para ver se ainda tinha gente lá dentro. Todos me olharam, se voltaram para mim quando eu entrei. Pedi um copo de vinho. E o cigarro e sentei numa mesa num canto.Ela era inexpressiva, a mulher que me atendeu, nem saberia descrevê-la exatamente, não era gorda, nem magra, nem bonita nem feia, muito comum, vestia um blusão de lã azul claro, um jeans, o cabelo preso num rabo de cavalo, a cara sem maquiagem, olheiras de fim de noite. Ela trouxe a jarra pequena de vinho, o cigarro e um cinzeiro.
Não vou lembrar da conversa agora, de como se deu a aproximação, engraçado, não lembro de nada. Só lembro que saí com ela do bar, que fazia muito frio, que ela calçou umas luvas de lã preta, um casaco e uma manta e que respirávamos pela rua escura e o bafo da nossa respiração soltava fumaça e ríamos como crianças. Só isto. Não lembro de nenhuma conversa, de nada.
Caminhamos por umas três quadras, uma casa ao lado da outra, todas muito parecidas, pé direito muito alto, uma porta de duas folhas, uma janela com sacada de ferro ao lado de cada porta. Tudo muito igual, simétrico, um silêncio de fim de mundo e o vento gelado que nos fazia andar rápidos. Parecia uma cidade fantasma.
Então ela me mostrou, já na primeira quadra, numa das casas, a aldabra, que era uma mãozinha com um punho de renda para bater na porta, de bronze. E depois na outra casa, uma aldabra que era a cara de um tigre. Ela tinha um itinerário, o de seguir as aldabras, que ela seguia todas as noites, num zigue-zague e que agora ela se divertia ao ver o meu fascínio.
Mão de moça
Tigre.
Coruja.
Cara de cachorro.
Argola.
Mão de moça outra vez.
Uma mãozinha delicada, dedos finos, uma mãozinha que segurava um globo como se fosse um minúsculo globo terrestre e ele batesse a porta da casa. A porta da casa onde entramos e onde ela morava, no final da Sarandí. Ela disse, pode bater, não tem ninguém em casa. Não resisti e tomei da mãozinha que carregava o mundo e as batidas ecoaram pela casa, poderosas. Ela riu e me conduziu para a cozinha onde acomodou nossos casacos nas cadeiras ao redor da mesa.
Ao lado do fogão tinha uma réstia de cebola e ao lado da geladeira uma cadeira de bebê. Em cima da cadeira uma mamadeira e um babeiro.
Perguntei se ela tinha filhos e ela me beijou na boca e disse: “- Sin preguntas, guapo.” E me levou pela mão pro quarto onde tinha uma cama antiga de madeira escura com uma colcha velha cor de mostarda e travesseiros brancos. Ela acendeu uma estufa e levantou as cobertas para que entrássemos com roupas e assim ficamos nos roçando e muito abraçados, nos esfregando para passar o frio, muito mais do que por qualquer outro motivo.
Ela acarinhou meu rosto e eu beijei as suas mãos, ela disse: “- Bésame las manos, me encanta que me besen las manos.” Perguntei como ela se chamava e ela disse: “- Castiana, de castelhana. Para ti no tengo nombre, guapo.”
E segui beijando-lhe as mãos enquanto ela desenhava com a ponta dos dedos o meu rosto, a minha sobrancelha e fui tomado por um tesão absurdo porque agora ela sussurrava em espanhol e dizia, “- Ven guapo, tómame, ven acá”. E abriu as pernas e tomou a minha mão e pude tocar o púbis muito peludo e ela estava muito molhada e tirou o pulôver azul e o sutiã surrado e seus peitos enormes de mamilos muito escuros, que eu beijei voraz e suguei até sentir o líquido quente. Eu disse: “- É leite!” E ela disse, “- No pares, sí, es leche, pero por favor, no pares”.
E não sei o que me assustava mais, se era o leite ou o tesão que tudo aquilo me provocava. Eu perguntei, enquanto entrava nela profundamente, “- Mas você tem filhos?” E ela aberta, receptiva: “- Ya tuve, ahora no tengo más”. Fiz menção de parar, mas o corpo dela encaixado no meu se mexia num frenesi e numa fúria que não me deixava ter dúvidas de que eu não podia parar, era o corpo dela que me conduzia, a ponta dos seus dedos como a mãozinha da porta me percorrendo, batendo, chamando, ela disse: “- Cierra los ojos.”
E seus lábios grudados na minha orelha enquanto se mexia magnificamente me ensinando como entrar mais e mais no seu corpo quente. Massageava o meu pau com os dois dedos na entrada da buceta escancarada. Ela sussurrava: “- No pares, cierra los ojos y escucha y no pares de ninguna manera, sí, prométemelo”. Eu disse que sim, que faria qualquer coisa porque ela era maravilhosa e ela disse: “- No hables, cierra los ojos y escucha. Llevaron la beba, se la llevaron muerta ya, después de una noche entera de fiebre y llanto, no pares, no pares”, ela dizia. E vi as lágrimas escorrendo, os peitos esparramados, o leite gotejando e ela se mexendo constante, me recebendo, me buscando voraz, com a boca, com a buceta que parecia uma boca. “Una nena hermosa, sabes, se me murió, se me fue en una noche, de meningitis se murió, no pares, no pares”, ela dizia. O corpo cada vez mais frenético e a voz que foi ficando como a de uma menina e ela disse: “- Por favor, hazme una beba, dame mi hija otra vez para dentro de mí, para que salga de mi y venga para mis pechos, no pares, así, con fuerza, hazme una beba, dame mi nena, por favor, que no puedo vivir sin ella, dame mi vida otra vez”. E eu dizia que sim, que sim, fiquei cada vez mais excitado com as lágrimas da Castiana, do cheiro do leite e com o jeito que ela me enlaçava as pernas até que gozamos juntos os dois e explodimos num choro manso, represado e ficamos assim por muito tempo, gozando e soluçando e ela disse: “- Gracias, gracias e repetiu muitas vezes, “Gracias.”
Ela adormeceu no meu peito. Eu vi um bico, uma chupeta de bebê num porta escova antigo de cristal em cima de uma penteadeira e um cobertorzinho amarelo e uma banheira num canto. Eram os pedaços do bebê espalhados pelo quarto.
Fechei os olhos com ela abraçada em mim e quis ficar ali para sempre naquela casa, naquela vida, naquele quarto e encher aquela mulher de filhos, de muitos filhos, dos nossos filhos e adormeci por alguns minutos até que ela disse: “- Tienes que irte ahora, guapo, que ya es tarde.” Perguntei a ela se podíamos nos ver de novo, ela ficou visivelmente irritada e acho que foi aí que ela disse algo assim para que eu não a incomodasse que ela era uma mulher solta das patas, sem rumo e sem ninguém.
Não consegui levantar da cama do hotel na manhã seguinte e nem almoçar com ninguém, disse às simpáticas professoras que estava indisposto e pedi que elas me levassem direto para a rodoviária.


Lélia Almeida, fragmento, in: Réstia, texto inédito, 2011.

Um comentário:

Silvia Badim disse...

Uau Lelita que coisa incrivelmente quente e delicada! adorei!