Penúria
e artimanha na casa amarela, por Lélia Almeida.
Depois
que saí da casa em Londres e voltei pro Brasil levei muito tempo sonhando que
voltava lá para reencontrar o meu amor, com o tempo o sonho foi se modificando,
eu demorava a encontrar a rua da casa, depois a casa não era mais na mesma rua,
a paisagem ficava enevoada até que não encontrava mais a casa e nem a rua. A
vida tinha andado e nunca mais sonhei nem com a casa e nem com a rua. Agora
vivi algo parecido, depois que saí da casa amarela, com a sua varanda ampla de
janelas grandes e com o jardim selvagem. No meu sonho estavam as duas
labradoras pretas e as caixas de papelão na porta da casa onde elas dormiam nas
noites de inverno. Sonhava que voltava lá todas as noites e dormia enrodilhada
nelas, tomada de uma tristeza sem fim esperando que ele abrisse a porta e me
acolhesse nos seus braços e no seu amor. A porta nunca se abriu. Sempre
levantava e partia quando ainda era noite e ia embora para a minha vida
sozinha. No meu sonho as cadelas se chamavam Penúria e Artimanha. Acordava com
o coração dilacerado e a alma quebrada e custava a levantar da cama e continuar
vivendo. Esta semana sonhei que havia dormido além da conta e ao acordar já
despontava o amanhecer com a neblina sobre o campo. Parti resoluta e firme, eu,
Perséfone, eu, Psiquê. E sem olhar para trás e nem me despedir das cadelas
fechei com leveza o portão e atravessei o campo me despedindo dos bois pretos e
das garças rosas. Um dia a tristeza começa a ir embora e não voltamos mais para
o cenário do abandono e do desamparo, já não precisamos mais de quem não
precisa de nós. E estamos prontas para a vida nova.
Nenhum comentário:
Postar um comentário